Capítulo 41 - Parte II

I will wait for you



Sarah estava ajudando o seu pai a acender a churrasqueira quando a campainha ecoou, fraca, através da casa. Por sorte, a porta para o jardim ficava de frente para a porta de entrada, ambas situadas na sala. Com a porta aberta, era possível escutar a campainha, mesmo cá fora. Sarah apressou-se na direção da porta principal, mas Louise, que estava brincando na sala com Theresa, adiantou-se-lhe.

- Mas olhem quem é! Olá, olá – Louise dizia, enquanto cumprimentava ambos os pais de Taylor e sua cunhada, juntamente com sua sobrinha.  Eles adentraram a casa, um por um, onde foram cumprimentados novamente por Sarah, que segurava Theresa. Ambas as meninas, já amigas, apressaram-se a fugir juntas para a beira dos brinquedos de Theresa, enquanto os mais velhos conversavam sobre amenidades.

- Trago aqui a minha melhor especialidade – Marie dizia e piscava, referindo-se à enorme travessa que segurava, certamente cheia do seu mousse famoso entre a família. Peter também segurava uma garrafa de vinho e, portanto, Louise encaminhou-os para a cozinha, onde se reuniam todos os preparativos para o churrasco. Sarah e Jana, cunhadas e também amigas, ficaram para trás, junto das crianças.

- O que aconteceu com Taylor e Justin? – Sarah estava extremamente curiosa, visto que esperava que ambos tivessem chegado com o resto da família. Jana encolheu os ombros.

- Justin não me disse nada, apenas que os dois tinham que ir algures. Confidencialidade de nível 0 – Jana acrescentou, referindo-se ao código que era comum não só entre os quatro, mas também entre o resto da banda. Com praticamente todos os amigos namorando dentro do próprio grupo, tornava-se difícil guardar qualquer tipo de segredo. Então, tinham criado um código de confidencialidade: o nível 2 significava que todos podiam saber, menos a pessoa a quem dizia respeito a surpresa ou o segredo; o nível 1 permitia partilhar o segredo com o respetivo parceiro, mas não com mais ninguém; o nível 0 requeria confidencialidade total, não podendo o segredo ser contado sequer ao companheiro e, na verdade, era um caso raro. Isso, claro, contribuiu para aguçar a curiosidade de Sarah.

- Espero que seja algo inofensivo, nesse caso – ela concluiu, piscando para a cunhada. Esta riu, e ambas passaram a conversar sobre o trabalho de Jana como web designer, sendo que ultimamente ela vinha ajudando um número crescente de bandas a lançar-se no mundo cibernético. Sarah, pelo seu lado, estava tecendo planos para possivelmente escrever uma reportagem sobre essa realidade.

Entretanto, a campainha voltava a fazer-se ouvir, tendo Sarah, agora mais perto da porta, atendido imediatamente. Surgiram um Jeremy e uma Katt extremamente animados, também eles carregando uma travessa que, segundo Jeremy, continha uma grande quantidade de macarrão com queijo.

- É um prato fácil, mas apreciado por todos! E um ótimo acréscimo a qualquer churrasco – ele terminou a publicidade esboçando um largo sorriso branco. Katt revirou os olhos e adentrou a casa.

- Ele precisou da minha ajuda para não deixar queimar. Eu teria feito outra coisa, mas você sabe como isso é impossível num quarto de hotel, sem cozinha e tudo o mais – Sarah riu e agradeceu, enquanto Jana cumprimentava o casal. Ela e Justin também moravam em L.A., pelo que costumavam dar-se com o grupo e ela já os conhecia, talvez até bem demais.

Sarah encaminhou todos até à cozinha e, depois, para o jardim, trazendo consigo também as crianças, que se mostraram bastante entusiasmadas por finalmente poderem correr livremente pelo jardim. O baloiço que antes estivera em L.A. agora estava montado ali, e Allison, quase rebentando de felicidade, sentou-se nele e colocou Theresa no seu colo, andando com menos força do que aquela que gostaria, mas ciente de que tinha que ter os cuidados certos para não magoar a mais pequena. Allison tratava e adorava Theresa como uma irmã mais nova, pelo que sempre pedia para viajar com os tios quando eles voltavam a Franklin. Assim, nesse exato momento, não podia estar mais feliz.

A campainha voltava a indicar a chegada de mais pessoas e, dessa vez, Sarah abrira a porta para se deparar com Lisa. O abraço apertado foi imediato, visto que as duas já não se viam há algum tempo – mesmo falando, pelo menos, todas as semanas. Sarah sabia de praticamente tudo o que acontecia com Lisa e vice-versa, o que impedira sua amizade de se desvanecer com o tempo. Porém, conhecendo bem a amiga, Sarah também sabia das coisas que Lisa se recusava a admitir em voz alta, pelo que bastou um único olhar para ela para reconhecer a pequena tristeza instalada no fundo dos seus olhos. E tinha até um palpite sobre o que isso significava. De repente, mal pôde esperar que Jane chegasse.

- Então, meu amor, chegou bem? – Sarah questionou a amiga, tentando obter mais informações sem ser demasiado óbvia. A última vez que falara com Lisa tinha sido no dia anterior, antes de ela pegar o avião de Salt Lake para Franklin. Ela parecia bem animada então.

- Sim – Lisa respondeu, suspirando – correu tudo bem. Ontem à noite, fui até Nashville com os meus pais. Aliás, eles foram estacionar o carro, não me pergunte porque estão demorando tanto.

Sarah assentiu, feliz por rever os pais de Lisa, Kate e James. Kate era uma verdadeira animação, mas James, junto dela, soltava-se o suficiente para mostrar um lado humorístico realmente cômico. Eram pessoas adoráveis. Por isso, Sarah sabia que o problema de Lisa não era com eles – até porque se fosse, ela não teria problemas em admiti-lo. Não, o problema dizia respeito a outra pessoa.

Por coincidência, eles aproximavam-se agora da porta, cumprimentando Sarah já de longe. Também eles traziam comida, ela pôde notar pelo recipiente que James carregava. Molho especial de churrasco, clarificara ele. A Sarah, isso parecera um ótima ideia, uma vez que nem ela, nem seus pais, se tinham lembrado de tal detalhe. Ela conduziu-os pelo mesmo caminho que os restantes: sala, cozinha, jardim. Durante esse tempo, os mais velhos fizeram as despesas da conversa, enquanto Lisa caminhava silenciosa junto a Sarah.

Depois de apresentar a família Cohen tanto a Jana como a Katt – que conversavam, na altura, sobre uma nova exposição de arte urbana em L.A., enquanto Jeremy se tinha juntado aos homens que tentavam ainda acender a churrasqueira –, Sarah sentou-se junto das duas mulheres, fazendo com que Lisa imitasse o gesto e as quatro começassem a falar sobre Lisa e a questioná-la sobre o que ela fazia e onde morava e o que esperava do futuro e o que pensava sobre certas coisas – incluindo o fato de Jeremy ter agora uma namorada fixa. A conversa rapidamente se tornou num debate sobre as dificuldades que Katt enfrentava todos os dias, por causa de Jeremy, o que provocou imensas gargalhadas.

De seguida, chegaram Jane e Izzy – sendo que Sarah já contava com esta última. Desde que se tinham reencontrado em Nova Iorque e formado a Blueprint of a Broken Heart juntas, Jane e Izzy tinham-se tornado inseparáveis. Assim, sempre que iam visitar a amiga à capital cultural dos States, ambas acabavam por passar algum tempo de qualidade também com Izzy – e nunca tinham queixas em relação a isso. A garota era animada, divertida, mas também ambiciosa e com um espírito meditativo em relação às contrariedades do mundo. Uma verdadeira artista. Tinha como defeito, tal como Jane, ser demasiado radical nas suas opiniões ou comportamentos, mas irônica e inesperadamente, Jane e ela conseguiam moderar-se mutuamente.

E agora, Sarah contava com as duas para a ajudarem com Lisa, pelo que, tendo recebido uma mensagem por celular de que elas estariam chegando, Sarah tratou de ir atender sozinha a campainha, quando a mesma ecoou.

- Jane! Izzy! – Sarah festejou, abraçando as duas amigas, que exibiam largos sorrisos por vê-la. O abraço de Jane – que sempre tinha decidido vestir a saia, curta como era seu costume – demorou alguns segundos extra.

- E onde está nossa Lisa? – ela perguntou, olhando em volta, como se esperasse avistar os cachos ruivos escuros de Lisa algures na sala.

- Lá fora, conversando com Jana e Katt – Jane, porém, não pareceu muito convencida. Parecia, aliás, confusa.

- Quem?

- Jana, a mulher de Justin, minha cunhada… – Sarah explicou, como se fosse óbvio.

- Não, eu sei quem é Jana. Eu estou perguntando quem é Katt.

E foi só então que Sarah viu outro possível problema surgir. Tentou disfarçar.

- Ah… É a… a namorada de Jeremy. Eu sei, quem diria? – a reação dececionada de Jane foi clara não só para Izzy, que sabia das esperanças de Jane, mas também para Sarah, que já a conhecia há tantos anos. Sarah sentiu-se imediatamente mal por não ter pensado nessa possibilidade, por menos óbvia que fosse – Oh, Jane… Desculpa, se eu soubesse, teria contado assim que aconteceu. Mas assim… pensei que você não se importasse.

Jane suspirou, tentando recompor-se, enquanto Izzy lhe dava pequenas palmadinhas nas costas e Sarah ainda exibia um ar culpado.

- Ela é feia e má? – perguntou, ainda com um ar um pouco triste, mas também com um tom claro de brincadeira. Izzy e Sarah riram-se.

- Hmm, nem por isso – Sarah respondeu, fazendo uma careta. – Para dizer a verdade, é meio que impossível não gostar dela.

- Mas claro que é! Com a minha sorte, ela é provavelmente uma modelo que ajuda crianças órfãs nos tempos livres – Jane respondeu, arrancando mais risadas das amigas.

- Bem, ela é bonita e bondosa, sim… Mas, se quer saber, ela é super previsível comparada a você – Sarah procurou reconfortar aquela garota normalmente tão animada.

- É? E comparada a uma pessoa normal?

- Bem… aí, eu acho que ela é… normal – Sarah declarou, com um encolher de ombros. Jane e Izzy riram um pouco. – Mas…  temos um outro problema, que não tem nada a ver com Katt.

- Então?

- É Lisa, Jane. Ela está triste com algo, eu vi isso claramente. Ela está tentando parecer animada por mim e pela festa, mas… tem algo que ela não quer contar.

- Hmm… Você está pensando o mesmo que eu?

Sarah olhou fundo nos olhos da amiga e assentiu. A verdade é que as duas sabiam o valor que Lisa dava a Zac. Nunca mais ela voltou a chorar por um garoto. Na verdade, ela mal lhes falava dos seus casos amorosos, hoje em dia. Havia pequenas referências, aqui e ali, mas em geral, ela falava sobre o curso e sobre trabalho e… sobre trabalho. Lisa precisava de descontrair séria e urgentemente. E Sarah tinha acreditado verdadeiramente que esse dia, essa reunião poderia ter esse efeito nela. Mas se ela ainda sentia algo por Zac… então, seria apenas tortura.

- Eu não sei como podemos melhorar isto, Jane…

- E o Zac? Você acha que ele também está pensando o mesmo? – Sarah podia ver as engrenagens funcionando na mente de Jane.

-  Hmm… Talvez. Ele só teve outra namorada desde então, e isso durou, tipo, um mês.

- Ok – Jane disse, raciocinando e tentando achar uma solução –, ok. Temos que falar com Josh. Josh ou Taylor. Cadê Taylor?

- Isso gostaria eu de saber, porque né, ele prometeu que me ajudaria a arrumar as coisas. Pois sim – Sarah revirou os olhos na direção da amiga,  tentando disfarçar a inquietação que ela mesma sentia em relação ao atraso inesperado do namorado. Izzy, por outro lado, apenas riu.

- Ok, e Josh?

- Provavelmente atrasado por causa de Hayley. Assim como Zac e o resto dos Farro. Juro, aquela mulher conseguiria atrasar multidões!

- E já deve ter atrasado, começando um show mais tarde – concluiu Izzy, solenemente, com o que Sarah e Jane assentiram, impressionadas pela dedução lógica.

- Mas foco, gente! – insistiu Jane. – Se Zac também estiver passando pelo mesmo… Bem, aí nós poderemos juntá-los!

- Hmm… Normalmente, enfiar o nariz na vida amorosa das outras pessoas não traz bons resultados – Izzy trouxe as duas garotas de volta à realidade. A verdade é que, por mais que elas se esforçassem, a decisão cabia aos dois. Mas isso não as impedia de dar um empurrãozinho, certo?

- Aí é que você está errada, Izzy – declarou Jane. – Dependendo do quanto você conhece ambas as pessoas, enfiar o nariz na vida amorosa delas pode trazer todas as melhorias possíveis. Quer que eu exemplifique? – Izzy assentiu e Jane voltou-se para Sarah de novo – Sarah, case-se logo com Taylor, por favor! Estou louca para ser dama de honra, ouvi dizer que torna muito mais difícil afastar os homens de si.

Sarah riu, assim como Izzy e até Jane, mas não pôde reprimir a agitação interior que sentiu perante aquelas palavras. É que… o dia anterior que eles tinham passado a ler os diários antigos, e todas as memórias, e todas as certezas, e também todas as incertezas, e… Não! Agora, Sarah tinha que se concentrar em Lisa. O resto, logo veria. De qualquer jeito, não são decisões que se tomem em cima do joelho. Não. Agora não pensaria nisso.

- Ok, assim que eu decidir casar, eu te conto, não se preocupe.

- Vê, Izzy? Não faz mal tentar – Jane concluiu, com um encolher de ombros. Izzy revirou os olhos para ela.

- Isso mesmo. Nós só vamos dar uma pequena ajudinha, certo? – Jane concordou perante as palavras de Sarah. – Então quando Josh chegar, eu vou puxá-lo à parte e perguntar sobre Zac. Você tem que distrair Hayley, nesse caso. Talvez seja uma boa ideia usar Allison.

- Allison? – Jane olhou, confusa, para a antiga guitarrista.

- Minha sobrinha. Ela é completamente apaixonada por Hayley.

- “Minha sobrinha” – Jane imitou a voz da amiga. – Eu estou lhe dizendo, Sarah, case-se de uma vez.

- Jane! Foco! – Sarah guinchou, decidida a não discutir aquele assunto, especialmente agora.

Izzy ria perante a discussão – bem comum, aliás – entre as duas amigas. Para dizer a verdade, estava feliz. Agora que toda a questão com o Jeremy estava, por fim, arrumada, Jane poderia seguir em frente e, quem sabe, aprender a confiar mais nas pessoas, incluindo aquelas que decidia agarrar. Ter uma relação era, provavelmente, um passo ainda demasiado avançado para ela. Mas Izzy não duvidava muito de que, ainda que demorasse algumas décadas, Jane acabaria praticamente casada. Se bem que, por outro lado, talvez não. Ela nunca fora muito previsível, mesmo.

E enquanto Izzy debatia internamente o futuro das relações românticas da sua colega de banda, Sarah e Jane terminavam de discutir os pormenores da “Operação Romeu e Julieta”, com esperanças de que pudessem substituir o final trágico por um mais feliz. A operação teve início, claro, com as três se encaminhando para o jardim, onde Jane e Izzy cumprimentaram e foram apresentadas a todos – o que incluiu o derradeiro confronto entre Jane e Katt, e a consequente conclusão da primeira de que a segunda era, realmente, impossível de não amar.

- Então você é que é a Jane! – dissera Katt, a animação clara no seu tom de voz – Meu Deus, você não imagina o quanto já ouvi falar de você! É um prazer!

- Meu Deus, Sarah não mentiu, você é realmente adorável. Acho que o prazer é meu, nesse caso – Jane encolheu os ombros e cumprimentou a mulher, que ria do tom dramaticamente desanimado dela, com um beijo na bochecha. Entretanto, alguém se aproximava da longa mesa de jardim.

- Oh, vejam só que lindo! Minha antiga namorada conhecendo minha nova namorada!

- Nós nunca namoramos, Jeremy – Jane clarificava, enquanto revirava os olhos e se aproximava do amigo, para abraçá-lo. Jeremy riu. – Mas é bom ver que você continua o mesmo idiota.

- Qual é, estivemos perto. É quase a mesma coisa para mim.

- E nem contando assim você conseguiu ter muitas namoradas! Sério, Katt, você é uma santa – Jane acrescentou, voltando-se para a jovem mulher. Katt parecia extremamente divertida com toda a discussão.

- Eu sei, Jane, mas obrigada. Eu realmente tenho que ser santa para aceitar namorar esse chato – Katt deu ênfase à palavra voltando-se para o namorado, que estava agora sentado à mesa a seu lado. Jeremy desmereceu o insulto, imitando a voz dela, e depois calou os resmungos com um beijo.

Enquanto a mesa – repleta de mulheres, diga-se de passagem – quase suspirava de admiração por um casal tão fofo, Izzy olhou para Jane, de modo a estudar a sua expressão. Jane dava um pequeno sorriso torto e, vendo a sinceridade nos seus olhos, Izzy soube que ela não sentia inveja ou ciúme. Estava verdadeiramente feliz por ver Jeremy de bem com a vida. Quem sabe, talvez tivesse ganho a consciência de que, caso tivessem uma relação, os dois chocariam a toda a hora. Agora, parecia-lhe que o que sentira nessa mesma manhã fora só uma pontada aguda de nostalgia. E com isso, ela sabia lidar.

Sarah, por outro lado, já pouca atenção prestava ao casal. Seus dedos brincavam com o celular, seu subconsciente ansioso para que ele tocasse, ao passo que seus olhos se fixavam em Lisa. Quando a mesa descaiu de novo para uma profusão de conversas paralelas, Sarah aproveitou a deixa para se dirigir à amiga.

- Então, Lisa, como vai a vida amorosa? – Sarah acrescentou um sorriso e um levantar de sobrancelhas sugestivo à pergunta, fazendo a amiga rir.

- Não vai – Lisa declarou, parecendo um pouco desapontada. – Eu estava saindo com um garoto, mas, com o fim do curso, ele voltou para a sua cidade natal. So… Estou solteira e feliz?

O tom confuso de Lisa em relação a essa última frase – quase como se ela fosse um clichê demasiado superficial para se aplicar a si mesma – fez Sarah ter a confirmação que esperava. Usualmente, Lisa não tinha qualquer problema em estar feliz enquanto mulher solteira. Ela estudava e esforçava-se diariamente, tinha suas finanças próprias, tinha suas amigas de Salt Lake, que pareciam ser um grupo unido. Ela era, com meros 23 anos, uma mulher independente, e não costumava ter dificuldade em assumir isso. O que só provava que ela queria algo, a nível amoroso, que não estava conseguindo. E o fato de isso coincidir com o regresso a Franklin não era, para Sarah, um simples acaso.

- Está feliz, mesmo? Você parece um pouco pra baixo – Sarah confidenciou, tendo-se aproximado mais da amiga para que as palavras pudessem ficar só entre elas (apesar de saber bem que Jane estaria prestando toda a atenção que podia na conversa, sem que isso se tornasse óbvio). Lisa suspirou antes de responder.

- Eu estou feliz, sim, é só que… minha vida está muito igual, sabe? E agora, com o fim do curso… eu sinto que me falta algo para… para haver equilíbrio na minha vida. Ultimamente, não tenho feito muito mais senão ir a entrevistas de emprego e pensar em trabalho e no futuro e… Eu sinto muita tensão. E parece que perdi a capacidade de descontrair.

Sarah mal teve tempo de acariciar o braço da amiga, antes do som da campainha arrancá-la de seus pensamentos. A ideia de que poderia ser Taylor foi como um choque que a fez levantar-se de uma vez. Pediu licença e abandonou a mesa, deixando Lisa a conversar com Izzy. Jane também se levantou e foi ter com as duas meninas, que ainda brincavam junto do baloiço. Theresa abraçou-se a ela imediatamente e Allison olhou-a com curiosidade. Jane deu a entender que quem estaria chegando talvez fosse Hayley, ao que a menina respondeu correndo freneticamente para dentro de casa. Jane sorriu presunçosamente e foi atrás dela, ainda com Theresa no colo.

Quando chegou à sala, Jane apercebeu-se de que estava certa: eram de fato os Farro as sete pessoas que, para além dela mesma, Sarah, e as duas crianças, povoavam a sala. Isabelle, hoje com seus sete anos, foi a primeira a adentrar a casa correndo e dando de caras com Allison e Theresa – o que tornou o trabalho de Jane de distrair Hayley com a menina um tanto mais difícil. Mesmo assim, enquanto Sarah acolhia a grande família e agradecia a tarte e o vinho que os Srs. Farro também haviam trazido, Allison não falhou em avistar Hayley e em correr imediatamente para ela. Hayley pegou-a ao colo e elas duas e Jane ficaram conversando, por entre o burburinho que as outras duas crianças faziam brincando em redor delas.

Louise, alarmada pelo barulho que parecia ter enchido a casa instantaneamente, tinha surgido também na sala, passando a cumprimentar todos e encaminhar a comida, bebida e seus respetivos donos para a cozinha. Sarah agarrou discretamente o braço de Josh, impedindo-o de seguir atrás da sua família.

- O que foi? – Josh voltou-se para ela, confuso. A balbúrdia em redor de Hayley era tal             que ela pouco mais via do que as mãos de Allison afagando seu cabelo, ou Isabelle e Theresa correndo em redor de suas pernas. Mesmo assim, Jane começou a encaminhá-la para o jardim.

- Preciso de sua ajuda. Você sabe se o seu irmão ainda sente algo por Lisa? – Sarah achou por bem ir direta ao assunto, visto que não dispunham de muito tempo. A confusão na expressão de Josh deu lugar ao entendimento. Ele suspirou.

- Bem… ele não me disse nada diretamente, mas ele estava estranho ontem, sabe? Ele foi para o quarto mais cedo e tudo, dizendo que estava cansado. Quando subi para me despedir dele, vi-o segurando uma foto e um anel de plástico, daqueles de criança, sabe? Ele escondeu tudo quando eu fingi bater à porta… Talvez tenha algo a ver com isso, o que acha?

Sarah entendia que Zac não tivesse contado a Josh a história de como pediu Lisa em namoro, mas, para ela,  não havia nada que ele pudesse ter dito que mais confirmasse as suas suspeitas. Zac sentia tanto a falta de Lisa como ela sentia dele, e cabia a Sarah, como boa amiga, dar-lhes o empurrão de que necessitavam para ultrapassar essa melancolia e voltarem a ficar juntos. Não havia, nesse momento, nada mais certo no mundo.

- Eu acho que temos um casal para reunir.

Josh assentiu e Sarah guiou-o na direção da cozinha. Entretanto, foi-lhe explicando o plano: ele seguraria Zac na cozinha, enquanto ela iria até ao jardim e pediria a Lisa para ir verificar se o forno estava ligado. Quando ela chegasse, Josh apenas teria que sair sob um pretexto qualquer, trancando a porta para o jardim atrás de si. Sarah teria trancado a porta para a sala assim que os dois entrassem.

O plano correu com perfeição. Quando chegaram à cozinha, Sarah trancou discretamente a porta e, visto que a maior parte dos Farro e sua mãe ainda se encontravam lá, ela sugeriu que todos levassem alguma comida para fora, afinal, já era hora de lanchar. A Josh e Zac, ela pediu para procurarem na geladeira a caixa de hamburguers que sabia ser pai já ter lá fora. Enquanto todos pousavam a comida que traziam, Sarah ocupou-se trazendo a carne que seu pai cozinhava no churrasco para a mesa e, com essa desculpa, pediu a Lisa para ir verificar o forno por ela. Prestável como sempre, ela assentiu, mal sabendo o que a esperava.

Quando a viu entrar, Josh cumprimentou-a com um abraço e disse a Zac que ia ver se  Sarah não tinha confundido a caixa específica de hamburguers com uma que Brian estivesse já cozinhando. Saiu da cozinha e trancou a porta sem dar tempo a perguntas, enquanto lá dentro, Zac e Lisa se encaravam.

- Oi – Lisa começou, desconfortável. Zac pareceu quase como despertar de um transe – no qual estava imerso desde que ela entrara no cômodo – ao escutar a voz dela, e então abraçou-a levemente, todo ele humor, sorrisos, à vontade. Por dentro, porém, ele estava dividido entre o nervosismo e o total espanto para o quanto Lisa estava… bela.

- Oi, como está, Lise? Meu Deus, há quanto tempo! – e apesar do tom tão casual que Zac imprimia a suas palavras, ele sabia que elas eram verdadeiras. Fazia tanto tempo. Lisa, por seu lado, sentiu o mesmo ao ser chamada de “Lise”. Nunca, em toda a sua vida, mais ninguém que não Zac se lembrara de usar aquele apelido. Ele estaria para sempre ligada ao seu namoro e, por isso, ao estremecer, Lisa não sabia se gostava dele ou o detestava.

- Muito tempo, de fato… Estou bem! Terminei o curso há pouco tempo, estou procurando emprego agora, sabe como é…

Zac assentia e exibia o seu típico sorriso largo, ainda maravilhado.

- Tradução, não é?

- Tradução e Interpretação de Línguas, sim – Lisa assentiu. – Eu perguntaria pela Paramore, mas eu sei como vocês estão tendo sucesso… E merecido! A música é… fantástica.

- Sério? Você escuta? – Zac estava intrigado.

- Se eu escuto?! Eu tenho todos os álbuns, tenho até The Final Riot lá em casa… A maior parte dos meus amigos escutavam-vos porque eu não me calo falando sobre vocês.

- Cara!... Eu não esperava isso! Você é nossa ! – Zac estava pulsando de animação por saber que Lisa apreciava o que ele fazia com tanto gosto.

- Qual é a surpresa? Sempre fui fã de vocês – Lisa explicou, não entendendo a razão para tanto entusiasmo.

- Sim, mas…

Zac não completou a frase, mas Lisa não precisou de mais para escutar o sentido: “… mas eu pensei que você tivesse passado a odiar a Paramore depois que acabamos”. Os dois quebraram o contato visual, subitamente relembrados da nostalgia que vinham sentindo. Entendiam agora o quanto era impossível estarem no mesmo cômodo sem se lembrarem do que tinha acontecido entre eles. O bom e o mau.

- Bem – Zac tentou mudar bruscamente de assunto –, e de resto, Lise? Como vai a sua vida?

A pergunta era aparentemente inofensiva e, por isso, Lisa não escutou a intenção escondida por trás dela. Além disso, ela estava demasiado concentrada em arranjar algo do que pudesse falar. E de resto? A vida dela, nesse preciso momento, não era muito mais do que o que já tinha explicado.

- Sei lá… Vai bem. Parada, aliás. Não está acontecendo muito mais do que isso – ela tentou usar um tom casual para camuflar um pouco o verdadeiro significado daquelas palavras, o qual seria algo como “estaria muito mais legal se pudesse namorar você, mas não posso, então tenho que aguentar, né”. Zac não escutou exatamente essa interpretação, mas pôde entender que havia algo que ela não estava contando. Sobretudo, decidiu que talvez – só talvez – ela não estivesse tão feliz como ele achou que ela estaria. Talvez – só talvez – ainda houvesse espaço para ele na vida dela. E isso fez toda a diferença na atitude dele.

- É? Mas porquê isso?

- Oh, você sabe como as coisas funcionam… Procurando emprego e tudo mais, eu não tenho muito tempo para mais nada – ela disse, determinada, embora mentalmente estivesse revendo todos os fim de semana que passou em casa lendo livros de Nicholas Sparks e chorando. Deus, ela precisava sair mais. – Não é assim com você? Aquele sucesso todo deve dar trabalho!

Zac olhava-a com um sorriso maroto, apenas vendo através da desculpa esfarrapada dela e decidindo brincar um pouco com isso. Já Lisa, estava tentando lidar com a exibição inesperada de um sorriso daqueles. Ainda estava estupefacta demais para se perguntar o porquê disso.

- Na verdade, eu tenho outro projeto. Estou trabalhando com uma outra banda, a Half Noise. É muito legal, eu tenho a oportunidade de fazer outras coisas, sabe? Digamos que… completa a minha vida – a sutileza de Zac estava passando completamente ao lado de Lisa, mas com certeza estava divertindo-o.

- Sério?! Gente… você tem mais capacidade de trabalho que eu.

Zac riu descaradamente, deixando-a sem saber como reagir.

- Por favor, Lise, não goze com a minha cara. Espera… você estava falando sério?!

Lisa olhou em redor da cozinha, ainda sem saber o que poderia dizer.

- Estava, Zachary… - ela suspirou – Olha, se calhar é melhor irmos lá para fora, já estamos aqui há muito tempo e eles já devem estar comendo…

O sorriso safado não tinha, de todo, abandonado o rosto de Zac. O que tinha mudado na perspetiva de Zac desde essa manhã? Perante a tristeza quase evidente de Lisa, ele convenceu-se de que, na verdade, ele tinha todo o direito de tentar reavê-la. Aliás, ele convenceu-se de que ele – e só ele – a poderia fazer feliz de novo. Ou talvez ele só tenha dado voz à parte dele que lhe dizia que Lisa era a mulher da sua vida e ele teria de ser muito idiota para desperdiçar uma chance como essa.

- Tem comida aqui, se você está com fome – ele respondeu-lhe, soando como o garoto metido que em tempos fora. Lisa não sabia se revirava os olhos ou o abraçava. Contentou-se com a primeira alternativa.

- Mas as pessoas estão todas lá fora e nós estamos cá dentro há tempo demais – ela disse, enquanto se encaminhava para a porta que dava para o jardim. Pousou a mão na maçaneta.

- Lisa! – a voz agora um pouco autoritária de Zac fê-la virar-se para ele de imediato – Desculpa se você acha que isso é intromissão, mas eu preciso de saber: você está namorando no momento?

Lisa sentiu-se como se tudo dentro dela explodisse de uma vez. Seu coração sobressaltou-se, suas mãos tremeram, suas palmas suavam, sua voz… Sua voz não saía mais. Fechou os olhos e obrigou-se a respirar.

- O-o quê?

Zac fitou-a intensamente enquanto ela piscava os olhos, tentando por tudo que sua visão ficasse menos turva e ela se conseguisse concentrar em qualquer coisa.

- Eu perguntei se você está namorando – Zac repetiu, desta vez sua voz menos autoritária e mais dócil. Ele não pretendia chocá-la assim. Se bem que, talvez, não fosse uma má estratégia. Ele só queria que ela baixasse as defesas e fosse sincera.

- Não, mas não vejo por que isso lhe interessaria – Lisa fez o melhor por soar convicta. Por mais que ainda estivesse tremendo. Zac aproximou-se dela. Talvez isso fosse uma péssima ideia e fosse ter exatamente o resultado oposto ao que queria. Mas também Zac Farro nunca fora conhecido por jogar pelo seguro.

- Nos sete anos que passaram desde que nos separamos, eu tive exatamente uma namorada. O nosso namoro durou um mês. Sabe como foi o nosso término? – Lisa, assustada pela proximidade dele, mas suspensa em cada uma das suas palavras, abanou a cabeça – Emily, a garota, me disse: “Zac, eu sei que você gosta de mim. Mas também sei que você gosta muito mais de outra pessoa. E eu não posso ser ela.” Ela tinha razão, Lise. Ela nunca poderia ser você.

Lisa lutou para recuperar a voz. Claro que tudo aquilo inflava o seu coração, mas… Sempre haveria um “mas”.

- Passaram-se sete anos, Zac – ela tentou transparecer firmeza, por mais que tudo nela quisesse simplesmente ceder. Mas para que serviria isso? Para voltar a sofrer?

- E você vai dizer que, nesses sete anos, você nunca pensou em mim uma única vez? De todo? Nunca?

Lisa suspirou, implorando interiormente para que ele simplesmente parasse.

- Ai, claro que pensei! Pensei imensas vezes, Zac! Eu… Caramba! Eu te amo, mas isso não faz com que a gente dê certo, faz?! – o exterior calmo e firme de Lisa tinha ruído completamente. Agora, ela gritava e chorava, mostrando o quanto estava quebrada. Quebrando, por sua vez, o coração de Zac.

Ele aproximou-se mais um pouco dela e segurou o seu rosto. Dessa vez, Lisa encarou-o sem quebrar o contato visual, esperando que ele entendesse. Não iria funcionar.

- Desculpa – ela suspirou e negou, querendo indicar que a culpa não fora dele. Talvez fosse dela, ou talvez nem isso. Talvez só fosse algo que tivesse que acontecer. – Mas você não pode viver com medo, Lise. Temos que admitir: a gente desistiu da última vez. Não foi porque havia algo errado entre nós, ou porque as circunstâncias eram impossíveis. Ficou difícil, sim, isso é verdade. Mas eu me pergunto todo o dia o que teria acontecido se a gente só tivesse aguentado mais um pouco. Só… mais um pouco.

Lisa negava veementemente, agora, seu rosto ainda sustentado pelas mãos fortes de Zac.

- Só mais um pouco? Até quando, Zac? Sempre estaríamos longe. Sempre. Mesmo que eu fosse para L.A., você ainda faria tours, e depois? Mais discussões! – ele soltou o rosto dela e passou uma mão pelo seu, cansado.

- E você não conseguiria confiar em mim dessa vez?

Lisa fitou os olhos de Zac, verdadeiramente tristes por vê-la assim. Verdadeiramente tristes por saber que eles os dois se amavam e que isso não tinha chegado da última vez. Porque faltava confiança, e amor sem confiança é uma receita para o desastre.

- Você fica muito evasivo quando está longe, sabia? – Zac torceu os lábios para ela e assentiu.

- É porque eu sou péssimo a conversar sem ver a outra pessoa. Mas eu posso aprender.

Com toda a sinceridade e disponibilidade que havia nos olhos dele, Lisa só queria dizer que sim e rezar para que desse certo.

- Houve tantas vezes que eu só queria ter você , sabe? Eu sei que se eu te pudesse abraçar nesses momentos, tinha ficado tudo bem.

- Eu sei, Lise. Mas durante esses sete anos, eu pensei em você tendo um momento desses e eu não tendo sequer uma ideia disso. E agora… eu sei que você precisa de mim, Lise. Você só está pensando em emprego e trabalho, não é verdade? Eu ainda te conheço, ruivinha.

Lisa sorriu um pouco, tomando uma decisão de que talvez se viesse, um dia, a arrepender.

- Sim, é verdade – disse, enquanto rezaca interiormente para que tudo desse certo. Depois, agarrou sua nuca e beijou-o em cheio na boca.

***

Sarah estava preocupada. Já passavam duas horas desde a hora marcada para o início do encontro – e isso para não falar de que Taylor prometera estar lá mais cedo. Porém, duas horas depois, ninguém sequer sabia onde ele e Justin se haviam metido. Ela tentava manter uma conversa com sua série interminável de convidados, mas o fato era que estava falhando miseravelmente.  Ela só precisava que Taylor chegasse e então finalmente poderia puxá-lo para o andar de cima e tentar explicar-lhe aquilo em que estava pensando.

Por outro lado, estava muito feliz por Lisa e Zac. Louise entrara na cozinha – atribuindo o fato de a porta estar trancada como uma estratégia para que as crianças não entrassem lá sem vigilância – à procura de outro saco de carvão, para a churrasqueira, e deparara-se com Lisa e Zac em pleno beijo. O espanto impedira-a de reagir com a rapidez necessária e eles os dois notaram a sua presença antes de ela conseguir se esgueirar para o jardim de novo.

- Bem… Eu só vim pegar o carvão, com licença… Se ele já não tiver pegado fogo aqui, não é? Ahah. Não? Pronto, ok – e com isso, Louise saíra de novo para o jardim, saco de carvão na mão, expressão óbvia de quem estava constrangida. E quando Sarah perguntara, ela apenas respondera a verdade. A culpa não era dela, ora essa! Sarah é que tinha que partilhar com Jane e, claro, ninguém pode sinceramente esperar que Jane não aproveite algo assim para fazer piada. Não Jane Streep.

Enfim, tudo isso e mais algumas coisas haviam acontecido em duas horas, e onde estava Taylor? A par da raiva, Sarah sentiu o coração apertar e tentou ligar de novo para ele. Só que dessa vez, ele atendeu.

- Hey baby – ele disse, com o maior à vontade. A raiva de antes fervilhou no peito de Sarah.

- “Hey baby”? “HEY BABY”?! TAYLOR BENJAMIN YORK, ONDE RAIOS VOCÊ SE ENFIOU?!

Taylor viu sua vida passar diante de seus olhos. Ele realmente deveria ter dito algo. Mas como poderia tê-lo feito sem deixá-la desconfiada? Talvez devesse ter escolhido outro dia… Porém, agora estava tudo tratado e arrumado e ele finalmente iria poder fazer aquilo com que vinha sonhando nos últimos tempos. Quando Sarah entendesse, ela riria de sua própria raiva. Hmm… ok, talvez não. Ela tinha a sua razão.

- Foi uma coisa com o Justin, ok? Desculpa.

- Ahh, bem que você pode pedir desculpa, meu querido! Ponha um pé nessa casa e você verá o que “fúria” e “vingança” verdadeiramente significam!

- Amor, eu alguma vez te disse como sua voz fica sexy quando você me ameaça?

Sarah tentou fingir que o comentário não aplacou nem um pouquinho a sua raiva, embora isso fosse mentira.

- E não pense que dizer coisas fofas te vai safar dessa vez!

- Eu sei que não vai, você vai libertar toda a sua raiva indomada em mim assim que me vir, certo? Apesar de eu não ter culpa nenhuma! Mas aquela coisa da raiva indomada, vamos fazer isso – Sarah segurou o riso e revirou os olhos para o celular, mesmo que ele não a pudesse ver. – Você revirou os olhos para mim, não foi? Como se eu não soubesse que você está dando tudo para não rir, Sarah, tsc tsc… E eu esperando que você fosse sincera comigo.

- Eu sou sincera, por que você está dizendo que não sou sincera contigo? – Sarah reagiu de imediato, tomando isso como um comentário àquilo que ela queria dizer e ainda não tivera hipótese.

- Ei, calma! Estava brincando… Mas assim parece que você realmente tem algo para me contar, não é? – a curiosidade de Taylor se aguçou.

- Tenho, mas não antes de te fazer desejar nunca mais se atrasar para vir ter comigo.

- Hmm, gosto de como isso soa – Taylor voltou a declarar e Sarah bufou para o pequeno aparelho. – Pronto, pronto. Desculpe-me, minha razão de viver, mas eu juro que não volto a atrasar-me para ir ter consigo, ok? Aliás… estou bem na tua porta.

- Você e Justin? – ela questionou, já se encaminhando para a sala.

- Sim, porquê?

- Porque eu tenho que ajustar minhas contas com ele também – do outro lado da linha, outra voz ecoou e Taylor riu.

- Ele diz que já vai ter que lidar com Jana, então você poderia dar-lhe um desconto.

- Não! Ele não deveria ter roubado meu namorado se não queria levar uma bronca de duas mulheres diferentes. E prepare-se, estou chegando.

Sarah desligou a ligação e abriu a porta, onde Taylor e Justin esperavam, expectantes. Ela fitou-os a ambos durante alguns segundos.

- O que vocês têm a dizer em vossa defesa? – suas sobrancelhas erguidas indicavam que esta não era uma altura para brincar.

- A culpa é toda de Taylor, ele que me arrastou para Nashville, bye – Justin falou tudo de um fôlego e correu, através da casa, para o jardim. Taylor fitou as costas do irmão de queixo caído.

- Já viu? Você pensa que pode confiar no seu irmão e BAM! Ele te trai.

- Hmm… soa muito com “você pensa que pode confiar no seu namorado e ele desaparece durante várias horas sem dar qualquer notícia”…

Taylor suspirou e passou a encarar a namorada, parecendo, na verdade, um pouco arrependido.

- Você ficou realmente chateada? – ele perguntou, sério. Ela, séria, assentiu. Ele deu um passo em direção a ela e abraçou-a. – Desculpa, amor. Eu juro que foi por uma boa causa.

Ela afastou-se só um pouco para poder olhar nos seus olhos, apesar de saber que essa não seria a decisão certa a tomar se queria manter um pouco da raiva. A questão era: onde tinha ela espaço para sentir raiva, quando tudo o que via diante de si era nervosismo e ansiedade?

- Só não volte a fazer isso, ok? Desaparecer sem dar notícias é horrível.

- Você tem razão, desculpa – ele repetiu, enquanto ainda abraçava a sua cintura e beijava a sua testa. – Mas não importa, porque eu sempre vou voltar para você.

Sarah riu do tom dramático que ele imprimiu a uma promessa que já tinha repetido milhões de vezes, mas que nunca perdera o seu significado. Dramatizada ou não, era verdade.

- Ok, Don Juan, você já provou o seu ponto – Sarah disse, enquanto se soltou para entrar de vez na casa. Taylor seguiu-a, fechando a porta.

- Mas você não. Onde está a raiva aliciante que me fez correr para aqui o mais depressa possível?

Sarah voltou-se para ele a meio da sala, atônita.

- Tirou umas férias, mas se você quiser, eu peço para ela voltar mais cedo – o seu tom era de ameaça.

- Rawr – Taylor fez, enquanto levantava e baixava rapidamente as sobrancelhas. Dessa vez, Sarah não conseguiu segurar o riso.

- Tay, meu amor, não leve isso a mal, mas você é tão idiota.

- Sarah, meu amor – ele disse enquanto chegava mais perto dela de novo. Ela cedeu e passou as mãos por seus ombros – não leve isso a mal, mas você ama isso.

Ela riu e revirou os olhos.

- Eu sei.

E logo, os lábios de Taylor estavam sobre os dela, calando-a da forma mais gostosa que ambos conheciam. Por um momento perfeito, não havia nada para além deles os dois no mundo. O nervosismo escorria lentamente de ambos, dando lugar a uma corrente elétrica inteiramente diferente. Tudo estava justificado naquele beijo, e tanto um como o outro tiveram certeza absoluta de que tinham tomado a decisão certa.

Foi por isso que, assim que o beijo se quebrou para que os dois pudessem recuperar o fôlego, enquanto suas testas se colavam e suas respirações se misturavam, Sarah fixou os olhos verdes diante de si e sussurrou:

- Casa comigo.

Taylor devolveu-lhe uma expressão congelada, estupefacta.

- O quê?! – ele mal podia acreditar. Ele não confiava mais nos seus ouvidos. Seria possível?!

- Casa comigo – Sarah repetiu, mais alto e mais convicta. Era isso o que ela queria. Ela sabia que Taylor também haveria de querer isso, senão agora, pelo menos um dia.

Em lugar da resposta, Taylor afastou-se um pouco e riu-se. Gargalhou. Mas não era o tipo de gargalhada que dizia “você só pode estar brincando”. Não, era o tipo de gargalhada que soava a felicidade e esperança, embora também contivesse um toque de ironia que Sarah não sabia bem localizar. Porém, enquanto ele estendia a mão para o bolso da calça e retirava uma pequena caixa, ela deu por si rindo exatamente do mesmo jeito.

Quando ele abriu a caixinha em direção a ela, o sorriso na cara de ambos era impagável.

***

Mais tarde nessa noite, depois de todos terem regressado a casa – sabendo já as novidades e tendo congratulado os noivos –, Sarah e Taylor subiram para o antigo quarto dela, onde deram o seu melhor por caber na estreita cama de adolescente. Sarah pegou uma caneta e o antigo diário, parando de escrever, de vez em quando, só para apreciar o lindo anel que decorava o seu dedo anelar direito – e para imaginar o dia em que o anelar da outra mão também teria direito a alguma decoração. Taylor, com o queixo pousado no seu ombro – onde sua barba por fazer picava um pouco a pele exposta –, lia o pequeno texto conforme sua noiva o ia redigindo.

“Pode acreditar, ou não, querido diário semi-esquecido, mas eu e Taylor resolvemos que não haveria melhor forma de viver o dia de ontem do que revivendo o passado. Por isso, achamos por bem relê-lo a si e ao gêmeo que você nunca soube ter. Isso funcionou – se me perdoa a comparação pouco glamorosa – como um bumerangue: trouxe-nos de volta as memórias, sim, mas também tudo aquilo que já construímos e ainda poderemos construir sobre elas. Trouxe-nos de volta aquele amor simples e puro que nos aproximou em primeiro lugar. E esse era exatamente o encorajamento de que necessitávamos para entender que, quando caminhamos juntos, devemos sempre caminhar em frente.

Quanto a hoje, tenho que admitir que todas as memórias que avivamos durante a tarde passada correram livremente pelo meu pensamento, enchendo-me de um sentimento muito único: um enorme sentido de realização pessoal, que nem terminar o meu curso conseguiu superar. Enquanto isso, minha mente observou todo o percurso que eu fiz para chegar onde estou. Eu mudei muito, ultrapassei muita coisa e, hoje, sou capaz de perceber que a felicidade é algo que depende de mim. E, com o tempo e a experiência, entendi também o que eu tenho que fazer para a conseguir e quais as coisas de que tenho de abdicar. Por outras palavras – se me perdoa agora a metáfora redundante, ainda pouco glamorosa –, aprendi em que direcção atirar o bumerangue para que ele viesse parar no ponto em que eu quero. Claro que, por vezes, ainda falho, mas a minha vida ainda tem muitos caminhos por onde passar e muita coisa para aprender. E isso só me faz sentir mais feliz.

Depois de colocar o anel no meu dedo, Taylor segurou minha mão e baixou um pouco o olhar até mim – já que ele deu um pulo no final da adolescência, me ultrapassando em largos centímetros. Ele sorria e seu olhar dizia tudo o que eu precisava de saber. E então entendi que aquela mão – a que fizera a jóia deslizar pela minha pele tão suavemente, apesar de estar tão carregada de simbolismo –, eu não queria mais largá-la.
Ela puxou por mim todos esses anos, me encorajando e apoiando, assim como eu fiz por ela. Mas nem é pelo passado, sabe? É porque há um canto na minha consciência – agora cada vez maior – que me garante que essa é a minha vontade: apertar a mão de Taylor para sempre, ainda que isso não seja possível. É assim que nós funcionamos: por mais que os acontecimentos da vida nos forcem a separarmo-nos por algum tempo, nós vimos sempre dar ao mesmo lugar. Porque, no fundo, ambos sabemos que esse é o lugar onde pertencemos. Ao lado um do outro.

Enquanto nós nos beijávamos mais uma vez – e outra e outra e outra e outra –, pude sentir sua pequena barba picando minha cara, bem ao contrário do dia em que nos beijamos pela primeira vez. Sua mão pousava na curva da minha cintura, que também mudou desde essa altura, estando agora bem mais pronunciada. E mesmo tendo nós repetido essa demonstração de amor tantas vezes desde aquele dia em L.A., nada cansa. Seu carinho, nossa proximidade, o fogo delicioso que ela cria no fundo do meu estômago… tudo está igual e me faz sentir amada do mesmo jeito.
Mas as coisas não são mais iguais.
Ele está um homem.
Eu estou uma mulher.
E nós nos vamos casar.


Sarah Bayley-Jones, 8 de agosto de 2018”

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