Capítulo 41 - Parte I

One Last Time


Música do capítulo: One Last Time – The Kooks

Sarah acordou de coração leve nessa manhã de domingo. Sua mente demorou algum tempo a situar-se no antigo quarto da sua adolescência, e ainda mais a descobrir-se sozinha nele. Fazia cinco anos que se mudara para L.A. e passara a dormir, aos poucos, do lado de Taylor: acordar sozinha não era algo a que estivesse acostumada. Porém, não lhe foi concedido muito mais tempo para se situar: a vozinha fina e muito entusiasmada que ecoava pela casa estava agora do lado de fora da porta do quarto. Momentos depois, a criança de três anos adentrava o cômodo impetuosamente, utilizando seu tom infantilmente agudo para acordar a irmã.

- XARAH! XARAH!

A mais nova pulou para cima da cama e, consequentemente, para cima de Xarah, essa última enchendo-se de uma paciência que não sabia que tinha – o que era algo que vinha acontecendo muito desde que Theresa tinha nascido.

- THERESA MARIE! – o uso de ambos os nomes próprios nunca falhava em recolocar a criança na linha – Eu estou acordada, calma! O que foi?

- O papai e a mamãe sairam e dixeram p’a eu acordá você, porque, porque… – Theresa era também exímia em perder o foco a meio da frase, tendo de repetir a mesma palavra inúmeras vezes, enquanto suspirava. Ainda bem que Sarah era agora um copo transbordando de paciência – Porque eles qué que você ajude quando, quando… Quando chegá.

- Quando chegarem – corrigiu Sarah.

A pequena assentiu para a mais velha, logo substituindo o ar sério por um largo sorriso. Sarah fazia cosquinhas na irmã, que alinhou de imediato na brincadeira, soltando pequenos gritos entre suas risadas estrondosas. Sarah, embora divertida, cuidou de ir parando aos pouquinhos. Afinal, teria de se arrumar antes de seus pais regressarem, uma vez que, quando isso acontecesse, teria de os ajudar a preparar tudo o que era necessário para o churrasco de que seriam anfitriões essa mesma tarde.

- Vem, anjinho, vamos escolher o que a mana vai vestir hoje.

Theresa respondeu prontamente, levantando-se da cama e acompanhando a irmã numa curta caminhada até à mala aberta, do outro lado do quarto. Após uma breve observação das roupas um pouco desarrumadas, ela bateu insistentemente na perna de Sarah, novamente animada:

- Shóti!

- Short – Sarah corrigiu, entre sorrisos, enquanto pegava a pequena peça de roupa e escolhia um top fluído e branco para combinar.

Pousou as duas peças na cama, fitando-as com mais atenção, agora que Theresa se distraía com um brinquedo que tinha trazido para ela e se esquecera de tirar da mala (como tudo o resto). Olhando para o short em particular, lembrou-se da luta que foi decidir colocar ou não um parecido, 7 anos antes. E de como havia tanta coisa com a qual ela se preocupava naquela altura que não era mais um problema. E de como agora tinha problemas que nem lhe teriam passado pela cabeça então. E de como tinha mudado tanto, e de como era feliz agora, e de como, apesar disso, fora tão bom recordar aquele ano tão importante na sua vida.

Era bom poder olhar para trás e lembrar de todas as pessoas importantes para si na época. Pessoas essas que viriam a sua casa mais tarde; pessoas com quem, finalmente, poderia partilhar um dia de convivência de novo. As saudades que sentia de muitas delas normalmente só podiam ser aplacadas pela Internet ou por telefone, já que viviam noutras zonas do país. Mas não hoje. Hoje ninguém ficaria de fora e Sarah poderia, verdadeira e completamente, deliciar-se com a doçura da felicidade sem sentir a pontada amarga da saudade. Família próxima e alargada, amigos antigos e não tão antigos (como Izzy)… Taylor.

Taylor, Taylor, Taylor. Mesmo morando agora com ele, era complicado estar sempre com ele – e era inevitável sentir o aperto da saudade quando não estava. Ela tinha se apaixonado por um músico, afinal; teria que lidar com as consequências que constantes tours e concertos implicavam. O próprio estudo e recente emprego dela  eram, muitas vezes, impedimentos. Mas tudo isso eram responsabilidades que, no final do dia, ambos se orgulhavam de ter. Que os faziam sentir-se realizados e úteis. E, afinal, o que era um pouco de saudade para um casal que já aguentara tanto e, sobretudo, se amava tanto?

***

No quarto 306 de um dos não tantos hóteis de Franklin, Jeremy, lavadinho e cheiroso, vestia sua camisa e calção. Todos os seus pensamentos – tal como os de Sarah – se prendiam às expectativas que alimentava em relação a esse dia. Desde que ela tinha anunciado o que faria e marcado uma data em que todos teriam a chance de estar em Franklin (o que não fora propriamente fácil), Jeremy vinha fantasiando com aquela reunião. Claro que estava com Sarah e a banda praticamente todos os dias (e também sua mãe, que acabara por se mudar para L.A. há alguns anos atrás, com o seu padrasto), mas havia pessoas que, pelo contrário, já não via há anos! E, além disso, havia novidades na sua vida que ele precisava compartilhar. Pessoas que precisavam se conhecer mutuamente.

Preso a esses pensamentos e a suas perspetivas de como esse primeiro contato se desenrolaria, Jeremy mal deu pela outra presença no quarto.

- Me dê uma ajudinha aí, pode ser?

Ele sorriu com a doçura presente naquela voz, atravessando o quarto até ela. Ela segurava o cabelo para cima. Jeremy correu lentamente o zíper do vestido e deixou um beijo nos ombros expostos.

- Obrigada, loirinho.

- Te amo, Katt.

***

No quarto ao lado, a cama estava ainda desarrumada e – imaginem só – ocupada. Cabelos cor de fogo estendiam-se sobre ambos os travesseiros e, entre uma confusão de cobertores, lençóis e edredões, as pernas da garota apareciam aqui e ali, sugerindo uma posição completamente inesperada. Hayley era criativa até dormindo.

A porta do banheiro abriu-se, revelando um Josh já vestido, mas de cabelo molhado. Ele suspirou assim que adentrou o cômodo.

- Hayley! Acorda, sua chata – a garota mexeu-se um pouco com o som, mas não deu sinais de ter acordado.

Josh suspirou de novo e rolou os olhos, mas, observando melhor a namorada, não conseguiu reprimir um sorriso. Não era apenas o seu jeito inédito de dormir – um reflexo bastante claro da sua personalidade –, mas o simples fato de, depois de tanto tempo, ela ainda estar ali. O que dizer? O regresso a Franklin tinha-o deixado nostálgico de uma forma boa.

Ele aproximou-se da cama e, empurrando uma das pernas da garota, deitou-se com ela. Abraçou-se a suas costas e, mexendo no seu cabelo, tentou acordá-la sussurrando em seu ouvido e distribuindo beijos pela pele que conseguia alcançar. Depois de longos minutos e de Hayley se retorcer bastante, ela finalmente esfregou os olhos e os abriu.

- Bom dia – sua voz rouca de sono tinha um tom um pouco infantil, talvez até um toque de aborrecimento por estar sendo acordada. Josh riu.

- Bom dia, dorminhoca. Vamos levantar que o sol já vai alto.

Ele saltou para fora da cama, onde Hayley surpreendentemente se retorcia e reaconchegava nos cobertores já completamente revirados. Josh bufou e puxou todas as cobertas para longe da namorada, que se sentou na cama, protestando.

- HEY! Eu estou tentando dormir!

- E eu estou tentando te acordar! Sério, Hayley, você tem que se começar a arrumar agora, ou a gente vai chegar atrasado! De novo!

Hayley suspirou, esfregando os olhos semicerrados pelo sono e pela claridade que enchia o cômodo. Sua vontade era simplesmente ignorar Josh e deitar de novo, mas a ideia do que poderia perder caso chegasse atrasada ao seu compromisso era demasiado repulsiva. Tomando uma decisão súbita, ela se levantou da cama com um pulo. Josh olhou-a, perplexo.

- Você tem toda a razão – ela caminhou até ele, seus olhos ainda um pouco fechados, mas brilhando de entusiasmo. – Obrigada por ser o namorado mais perfeito.

- Você está bem? – Josh estava mais confuso do que nunca. Levou uma mão à testa coberta pelos cabelos laranja, tirando a temperatura – Está doente?

Hayley bateu na mão dele e sorriu, o mesmo brilho de entusiasmo espalhando-se por toda a sua expressão. Enlaçou seus braços nos ombros de Josh, ficando em bicos de pés para igualar sua altura – pelo menos, até onde lhe era possível – e deixou um breve beijo nos lábios dele.

- Estou ótima. E animada!

- É, estou vendo – ele riu de novo do sorriso bobo que se alargava pelo rosto que ele tanto amava. – Não se esqueça que ainda vamos almoçar a minha casa primeiro, pegar Zachary e só depois vamos para casa de Sarah.

- Aham – Hayley fez, mantendo seu sorriso sonhador e sua postura animada e se encaminhando para o banheiro, provavelmente para se duchar. Josh observou toda a cena, ainda perfeitamente perplexo.

- Sarah – ele disse por fim, falando para o nada – você fez um milagre.

***

- É UM MILAGRE! – o garoto de 15 anos exclamou, exagerando comicamente sua reação ao ver a porta do banheiro ser finalmente aberta. O mais velho, que o abandonava já vestido, bufou para o irmão.

- Agora você sabe o que eu sofria quando tinha a sua idade! Josh e aquele penteado trabalhado na chapinha… Uff, nem queira saber.

Se havia algo que Jonathan gostava mais do que rir de Zac, era rir de Josh. Sua postura  sempre tão correta despertava um qualquer instinto no adolescente, e Jon acabava por não se conseguir conter de fazer piadas nos piores momentos. Talvez ele apenas saísse a Zac. Sabe Deus o quanto certas piadas “zacarianas conseguiam ser inconvenientes, sobretudo com Josh.

Mas Zac não estava fazendo piadas hoje. Comentários espirituosos? Talvez. Mas isso era apenas porque essa era a sua natureza quando estava nervoso. E se estava nervoso! O problema era que a razão pela qual estava nervoso era a mesma que o fazia tão… triste. Sim, triste.  Era isso o que ele estava sentindo, tinha que admitir. Nervosismo e tristeza.  Nostalgia.

Can I hold you one last time?
To fight this fear that is growing in my mind
I know I did us both oh, so wrong
I know I’m not always all that strong

(Posso abraçá-la uma última vez?
Para lutar contra esse medo que está crescendo na minha mente
Eu sei que fiz tanto mal a nós os dois
Eu sei que não sou sempre tão forte assim)

Zac observou sua figura vestida e arrumada no espelho. Ultimamente, não conseguia parar de compará-la com sua versão de há 7 anos atrás – mais precisamente, desde que Sarah falara pela primeira vez na sua intenção de organizar uma espécie de reunião. Fora como se, de repente, Zac tivesse de parar de fingir e de mentir a si próprio.

A, B, C, D, E, F and G
That reminds me of when we were free
Before life began to tear us apart
Remember those classes when we thought we were so smart?

(A, B, C, D, E, F e G
Isso lembra-me de quando éramos livres
Antes de a vida começar a nos separar
Lembra-se daquelas aulas quando pensávamos que éramos tão espertos?)

Em frente àquele mesmo espelho de há 7 anos, ele encarou a verdade: ele não a tinha esquecido, coisa nenhuma. Ele não tinha avançado; sua vida não tinha melhorado sem ela. Ele não estava menos preocupado, menos estressado, menos infeliz. Na verdade, tudo isso só tinha piorado. Claro que ele se sentia feliz pela banda e pelos progressos que estavam fazendo, mas, ao final do dia, isso era a única coisa que ainda o fazia sentir-se útil. Ele amava seus amigos, não o interpretemos mal, mas vê-los a todos tão felizes… só realçava o quanto ele tinha sido idiota em desperdiçar sua chance de ter o mesmo.

We were lovers in every way
Left school together, went back to my place
Now I can hardly remember her face
Before I met her, I was sad

(Éramos amantes em todos os sentidos
Saíamos juntos da escola, voltávamos para minha casa
Agora mal me consigo lembrar da cara dela
Antes de conhecê-la, eu estava triste)

E porque o tinha feito? Não conseguira lidar com a pressão. Não conseguira acreditar na relação que tinha. Ficara com medo e desistira. E ela merecia tanto mais do que isso. Ele podia ver isso agora, mas de que adiantava? Ele vê-la-ia, essa tarde, feliz, independente, bem sucedida. E por nada, nada nesse mundo, ele poderia ser egoísta o suficiente para arruinar tudo isso. Se fora egoísta e deixara que sua relação com Lisa terminasse há 7 anos atrás, agora não podia ser egoísta e tentar reavê-la.

Tinha tido sua chance. Desperdiçara-a. Estava na altura de aceitar isso e, se não podia seguir em frente, pelo menos tinha que deixar que quem ele ainda amava o pudesse fazer.

Can I hold you one last time?
To fight this fear that is growing in my mind

(Posso abraçá-la uma última vez?
Para lutar contra este medo que está crescendo na minha mente)

***

- Você vem ou não, Justin?

No meio da balbúrdia da cozinha – que em muito se devia à criança de 6 anos que chorava por ter perdido sua boneca favorita, enquanto os adultos presentes tentavam consolá-la –, a grosseria de Taylor era praticamente inaudível. Sobretudo para o irmão, que em vão tentava acalmar sua filha.

- Meu Deus, que se passa nessa casa? – Marie entrava no cômodo, toda ela o perfeito exemplo da boa disposição. Taylor deu graças aos céus. Se alguém saberia lidar com Allison, seria sua mãe – Bom dia, meus amores.

Cada um deu sua resposta a seu tempo e a pequena, só de escutar aquela voz, refreou o seu choro e ofereceu-lhe também um “bom dia” soluçado. Marie aproximou-se da neta e, tirando-a da cadeira onde estava sentada, pegou-a ao colo. Para uma criança de seis anos, Allison era bem pequenina.

- O que aconteceu com minha neta preferida? Hm? – Marie passava seu dedo ágil pelas costelas da menina, fazendo cosquinhas nela. O choro parara por fim e o esforço que ela fazia para não rir e parecer ainda triste era quase cómico.

- Hayley desapareceu, vovó – a menina respondeu, fazendo biquinho. Com sua avó, ela poderia dar-se ao luxo de ser um pouco manhosa.

- Eu já me ofereci para lhe comprar outra boneca, mas ela não quer – Taylor informou sua mãe, enquanto se apoiava nas costas de uma cadeira e verificava as horas. De todos os dias, de todas as horas, Allison, uma menina geralmente bem comportada, tinha que escolher esta para ter uma crise. Taylor suspirou.

- Não se pode substituir a Hayley assim, tio.

- Pff, a quem você o diz. Acho que Deus ainda não conseguiu inventar uma garota ruiva tão preguiçosa quanto Hayley – enquanto falava, Taylor carregava dramaticamente sua expressão, tornando o trocadilho entre a boneca e a Hayley real ainda mais cómico.

O fato é que Allison tinha batizado sua boneca de “Hayley” devido a seus cabelos ruivos vivos, os quais eram realmente difíceis de achar numa boneca.  Talvez também não fossem assim tão comuns nas mulheres reais, mas para Allison, que tinha crescido perto de Hayley, ter cabelos cor de fogo era a coisa mais natural do mundo. Mesmo que ela tivesse descoberto que eles se deviam a extensas camadas de tinta, ainda no ano anterior. Para ela, fora pior que descobrir que o Papai Noel não existia. Mas felizmente, o choque já havia passado e ela podia voltar a apreciar a linda cor, como sempre fazia.

- Hayley não é preguiçosa, ela é linda! – todos os presentes riram da declaração entusiasmada e convicta da criança.

- Acho que uma coisa não impede a outra, filha – Jana respondeu, levantando-se para arrumar a louça suja do café da manhã. Sua filha chorosa, porém, não tinha comido nada. Quem sabe, agora mais animada, ela fizesse o esforço. – Sobrou um pouco de bolo, ainda. Você quer, Justin? Taylor? – ambos negavam, rindo-se disfarçadamente da manobra da mulher. Allison, ainda no colo da avó, olhava para a fatia de bolo de chocolate com desejo. Jana aproximou-se dela – Oh! Mas como eu me poderia esquecer! Ela ainda nem comeu nada! Você quer… Marie?

- Não! – Allison entrecortou, antes que Marie pudesse responder – Vovó, eu te amo, mas eu quero o bolo.

Enquanto todos se riam e Jana se congratulava pela brincadeira bem sucedida, Marie sentava a pequena Allison de novo na cadeira. Ela atacou seu café de manhã com uma fome que mostrava já se ter esquecido da questão que a atormentava há pouco. Taylor, agora com menos um problema para resolver, sentiu a onda de nervosismo nascer de novo no seu estômago e estender seus tentáculos por todo o seu corpo. Seu celular vibrou intensamente no seu bolso e, durante uns segundos, ele não entendeu se isso era real ou era apenas sua perna tremendo. Suspirou de novo perante o nome que o visor mostrava. E por isso é que ele era péssimo com surpresas. Atendeu.

- Bom dia – a voz, ainda um pouco rouca de sono, fê-lo sentir-se instantaneamente mais calmo. Quase como se estivesse também ele acordando do lado dela.

- Bom dia, princesa adormecida. Demorou para acordar, hein?

- Demorei nada, só que tive que ligar para o meu outro namorado primeiro.

Taylor riu da piada inesperada. O nervosismo regressava a pouco e pouco, mas estava bem mais controlado que antes. Talvez a recordação de que tinha tomado uma boa decisão estivesse ajudando.

- Oh, claro. Espero que lhe tenha dito que não tem tempo para ele hoje.

- Você não sabe? Ele também vem à reunião – o tom provocatório dela era declarado e Taylor sabia que, caso estivesse com ela nesse momento, não teria se conseguido impedir de terminar prematuramente a conversa com um beijo.

- Faz sentido. Apresentá-lo à família e amigos, ao outro namorado, e tudo o mais.

- É isso mesmo. Acho que eu e ele estamos num ponto realmente chave da nossa relação.

A onda nervosa assolou Taylor de novo, respondendo quase automaticamente às últimas palavras da garota.

- E você e este seu namorado? Também estão num ponto chave? – ele tentou imprimir a suas palavras o mesmo tom brincalhão de toda a conversa, mas sentiu ter falhado miseravelmente. Uma outra voz mais aguda, porém, fazia-se ouvir do outro lado da linha, e Sarah pareceu ter sua atenção desviada.

- Theresa acabou de virar o copo de suco, Tay, tenho que desligar. Te amo.

- Tudo bem, até mais tarde. Te amo.

- Prepare-se para o melhor dia da sua vida!

O som da linha a desconetar dominou tudo por um momento e, depois, Taylor estava de volta à cozinha de seus pais, onde Allison, novamente feliz, comia seu bolo alegremente, enquanto Marie e Jana conversavam de forma animada. E Justin? Justin desaparecera, mas não por muito tempo. De chaves na mão, ele reentrava na cozinha, deixando uma palmada nas costas do irmão.

- Então, vamos? Está pronto? – Taylor sorriu para o irmão, o nervosismo corroendo-o por dentro em resposta à sua lembrança do que iam fazer. Porém, depois da pequena conversa sem qualquer sentido senão para os dois, Taylor tinha mais certeza do que nunca.

- Estou pronto – ele assentiu, dizendo adeus às três lindas meninas que povoavam a cozinha, e completando mentalmente: “estou pronto para o melhor dia da minha vida”.

***

Lisa arrumou a louça que acabara de lavar, olhando em volta para a cozinha vazia. Seus pais ainda dormiam, depois de os três terem passado uma noite de extravagância, começando pelo jantar num restaurante extremamente chique e, mais tarde, a sessão da meia noite no cinema de Nashville. Lisa teve de conduzir de regresso a casa, porque, mesmo sendo a mais nova, era facilmente a mais responsável dos três adultos. Seu pai deixava-se influenciar demasiado por sua mãe.

E, para ser justa, ainda era bastante cedo. Se conseguisse, também ela estaria dormindo a essa hora. Mas a perspetiva de tudo o que poderia acontecer nesse dia acordara-a a meio da noite e não a deixara voltar a dormir desde então. Dera voltas e voltas entre os lençóis, mas nenhuma posição ou pensamento parecia atenuar o nervoso miudinho que se instalara na boca do seu estômago.

Can I hold you one last time?
To fight this fear that is growing in my mind
I know I did us both oh, so wrong
I know I’m not always all that strong

(Posso abraçá-la uma última vez?
Para lutar contra esse medo que está crescendo na minha mente
Eu sei que fiz tanto mal a nós os dois
Eu sei que não sou sempre tão forte assim)

Havia uma razão pela qual ela estava em Franklin, claro. Não era seu costume regressar à cidade fora da época natalícia, sendo que eram seus pais quem viajava quando a saudade apertava. Por vezes, também ia a Nova Iorque – sobretudo se Sarah também estivesse lá, de visita a Jane –, mas Franklin no verão era algo que ela já não via há… 5 anos. Desde o dia em que partira para a universidade, feliz por não ter que lidar mais com as mesmas ruas, as mesmas caras, as mesmas memórias. A sua partida para Salt Lake City, Utah, há 5 anos atrás, tinha-lhe sabido a liberdade.

Cinco anos depois, já de curso terminado, Salt Lake City era, para ela, uma casa. Conhecia os cantos à cidade, tinha amigos, lugares preferidos, um apartamento. Era cliente habitual de algumas lojas; sabia onde ir se tivesse um certo problema; sabia onde se poderia divertir. E agora que terminara o curso, pretendia procurar um emprego lá. Assim que o conseguisse, o mais provável é que ficasse lá para sempre.

Lisa era uma pessoa feliz. Estava concretizando os seus sonhos, tinha boas perspetivas de futuro, tinha a companhia de bons amigos. Tinha alguns pretendentes, também, embora nada sério. Então, que razão obscura a fizera sentir-se triste ao regressar a Franklin nessa altura do ano, sendo que ia rever todos os seus amigos de longa data? A resposta à questão residia exatamente no todos. Nisso, e no que tinha acontecido no dia anterior, quando chegara.

Enquanto desfazia as malas e arrumava suas coisas pelo quarto praticamente intato desde que o abandonara, encontrara um álbum de fotos antigo. Fotos de L.A. Lisa só tinha estado em L.A. uma única vez, num verão há 7 anos atrás. Nunca, desde então, ela retornara a L.A., e o próprio desejo que tinha que retornar só durara alguns meses. Tantos quantos os que durara sua relação com Zac.

Ao rever suas fotos com seu grupo de amigos adolescentes, Lisa não se conseguia impedir de sorrir junto com eles. Via na sua expressão uma descontração que, por mais feliz que fosse agora, nunca mais recuperara. Era uma expressão que talvez ela exibisse mais vezes se tivesse saído a sua mãe, praticamente famosa por ser relaxada. Mas responsável, preocupada, perfecionista como era, Lisa tinha procurado como companhia pessoas iguais a si. Suas amigas eram, na maioria, assim. Os rapazes com quem saía eram assim. Focados e ambiciosos. Escrupulosos e atentos. Tudo boas qualidades, provavelmente, mas também antônimos de descontração.

Pensando nisso, Lisa lembrou-se de um outro momento, há cerca de 4 anos. Faltava uma semana para os exames finais do seu primeiro ano de universidade, tudo cadeiras que requeriam um intenso estudo. E apesar de já ter começado esse mesmo estudo um mês antes – ou talvez por isso mesmo –, sua cabeça estava a ponto de explodir. Cada frase que ela lia, cada esquema que analisava, era mais um degrau que subia na direção do pânico omnipresente que a vinha consumindo. E ali mesmo, no seu quarto vazio de residência universitária, ela desatara a chorar sobre o livro de resumos que estudava. Não aquele choro calmo e silencioso. Não. Ela soluçava de pânico, convencida de que ou morreria de tanto estudar, ou reprovaria a todos os exames. As dores de cabeça que sentia eram uma verdadeira tortura, e a cada soluço, elas pioravam – o que a fazia soluçar mais.

Nunca se tinha sentido tão incrivelmente cansada na vida e, contudo, não conseguia parar de soluçar. E naquele momento em que lhe pareceu que o mundo não era mais do que aquele buraco escuro em que se tinha metido, onde o sol não voltaria a nascer, Lisa chamou por Zac. Como se, a tantos quilômetros de distância como o que os separavam – e a tanta distância emocional que agora se interpunha entre os dois –, ele pudesse simplesmente aparecer e abraçá-la e fazer piadas idiotas que a convenceriam de que o mundo era, de fato, muito maior do que aquele quarto vazio, do que aquele livro de resumos, do que aqueles exames horrendos que ela sentia não ter mais forças para enfrentar.

A, B, C, D, E, F and G
That reminds me of when we were free
Before life began to tear us apart
Remember those classes when we thought we were so smart?

(A, B, C, D, E, F e G
Isso lembra-me de quando éramos livres
Antes de a vida começar a nos separar
Lembra-se daquelas aulas quando pensávamos que éramos tão espertos?)

Quando se pegou clamando o nome dele por entre soluços, Lisa passou a chorar pelas saudades que sentia, e que nunca tinha completamente assumido. O término da relação dos dois fora um choque para ela, apesar das discussões intermináveis que eles tinham na época. Mas prometera a si mesma ultrapassá-lo tão depressa quanto conseguisse, e foi isso mesmo o que fez. Tentou esquecer tudo o que ainda a ligava àquela fonte de dor. Mas então, três anos passados sobre aquela discussão terrível que finalmente acabara tudo, Lisa via que realmente nunca tinha conseguido. Que nunca tinha ultrapassado. E que nunca, por mais que tentasse e prometesse a si mesma, conseguiria esquecer-se completamente de Zac e de tudo o que ele a fizera sentir. Porque, no fundo, ela ainda o amava. E sempre amaria.

We were lovers in every way
Left school together, went back to my place
Now I can hardly remember her face
Before I met her, I was sad

(Éramos amantes em todos os sentidos
Saíamos juntos da escola, voltávamos para minha casa
Agora mal me consigo lembrar da cara dela
Antes de conhecê-la, eu estava triste)

Não era algo que Lisa entendesse; era algo que simplesmente sabia. Mas sabia também que havia um motivo pelo qual a relação tinha terminado, e talvez nunca fosse dar certo. Já tinham experimentado uma vez e tinham falhado. Para quê torturar-se de novo para obter os mesmos resultados?

Quando se conseguiu acalmar de novo, naquela noite, Lisa olhou-se ao espelho. Aceitou os fatos: amava Zac e isso nunca iria mudar, mas eles os dois nunca resultariam como casal. Ele sempre estaria viajando e ela sempre estaria esperando por ele, e não era isso o que ela queria para si. O que ela queria, isso sim, era ser independente. E isso incluía ser forte o suficiente para lidar com qualquer tipo de pressão e nunca mais desejar que Zac estivesse com ela. Ela não precisava dele; ela não precisava de ninguém.

Desde então, ela tinha se tornado ainda mais focada e trabalhadora, mas também tinha aprendido a lidar com a pressão e a ser sua própria moderação. Distrair-se quando era necessário. Colocar os problemas em perspetiva. Arranjar soluções, acima de tudo. Lisa era, ao fim e ao cabo, uma máquina lutadora que enfrentava o mundo sozinha. Mas as máquinas não sentem. E, por mais feliz que fosse, ela tinha que reconhecer que seus sentimentos hoje eram muito superficiais comparados com os que as fotos demonstravam. Acima de tudo, nunca mais fora aquela garota despreocupada que sorria, estendida na areia, ou brincando na água, ou de mão dada com Zac.

Muitas coisas haviam mudado nela, mas nenhuma delas fora seu amor por Zac. E espantou-a como um amor que lhe tinha feito tão bem em tempos, agora era apenas uma espécie de maldição oculta, que a impedia de alguma vez se voltar a apaixonar, de voltar a sentir tão intensamente como fizera naquela época.

E assim, ninguém poderia recriminá-la por não estar propriamente animada por rever Zac. Hayley, Josh, Jeremy – eles sim, já não os via há tanto tempo que a ideia de poder passar algum tempo com eles era quase confortante. Mas ter que rever Zac e falar com Zac e… bem, só pensar em Zac estava perturbando-a bastante. O que poderia fazer durante o resto do dia?

Can I hold you one last time?
To fight this fear that is growing in my mind

(Posso abraçá-la uma última vez?
Para lutar contra este medo que está crescendo na minha mente)

***

- Sério, Jane, olha que quarto tão depressivo, meu Deus!

- Ai, Izzy, poupe-me! O que você tem contra um quarto azul escuro?

Jane, debruçada sobre a mala, escolhia a roupa a usar nesse dia. Saia ou short? Saia ou short? Izzy, por outro lado, já estava perfeitamente pronta e arranjada, o que só estava aumentando a irritação de Jane. Já era costume Izzy arrumar-se antes de todos os membros da Blueprint of a Broken Heart – o que, claro, incluía Jane –, mas, com o nervosismo que sentia, Jane ter-se-ia irritado com qualquer coisa.

- Sabe que mais, sua baixista “nada depressiva”? Faça-se prestável e ajude-me a escolher a roupa certa para hoje, vamos.

- Ai, Jane! Você tem que me explicar o que se passa com você, isso sim – Izzy pegou na saia e no short que a amiga segurava e voltou a colocar na mala. Depois, puxou-a e sentaram-se as duas na cama desfeita, lado a lado. – O que foi?

Jane respirou fundo e fez uma careta.

- É que eu estou muito ansiosa, Izzy, você sabe.

- Sim, isso eu já entendi, obrigada – a menina de cabelos agora tingidos de alguma cor entre o rosa e o roxo acentuou o tom irónico, como era seu costume. – Mas eu quero saber o porquê.

- Porque… sei lá. É estranho, é… É muito estranho estar revendo meus antigos amigos sem ser num show ou numa tour ou… Ah, você entendeu! É estranho ir passar a tarde com eles, só por passar tempo juntos.

- E é mesmo isso que te está deixando tão ansiosa? É que eu não me lembro de você ter ficado assim em qualquer desses shows ou tours. Portanto, há algo aqui que você não me está contando – o tom de Izzy dizia que ela não aceitaria nenhuma resposta que não a mais verdadeira possível. Jane suspirou, achando a amiga realmente chata, mas também sentindo-se um pouco feliz por ter uma menina tão chata assim preocupada com ela. Izzy sempre fora uma ótima amiga para si desde que a reencontrara, ainda na época em que se mudara para Nova Iorque.

- Não – a baterista suspirava – não é só isso. Vai mesmo me obrigar a falar disso?

- As boas amigas também servem para envergonhar. Agora conte-me, vamos.

- É… É Jeremy. Eu… ele… A gente era… Éramos muito amigos, sabe? Amigos e não só – Jane sussurrou, mas alto o suficiente para Izzy escutar. A compreensão atingiu-a e ela colocou um braço em volta dos ombros da amiga, demonstrando o seu apoio. – E ultimamente eu tenho pensado nisso. Você sabe que eu nunca tenho relações verdadeiras, sérias. Jeremy foi dos poucos que sequer se atreveu a propôr isso, e foi o único a quem eu sinto que realmente teria cedido, se tivéssemos tido um pouco mais de tempo. E agora… eu me pergunto o que teria acontecido se eu tivesse cedido a tempo. Antes, eu tinha me convencido que seria exatamente o que eu queria evitar, mas a verdade é que… eu sofri na mesma quando ele se mudou para L.A. com a Paramore.

Izzy analisou a expressão da amiga. Jane estava triste, isso era claro, mas não profundamente. Havia uma ponta de remorso nas suas palavras, mas sobretudo, de curiosidade. Estaria ela pensando em reaver o que tinha perdido?

- E agora o quê, Jane? Você quer recuperar isso?

- E agora o quê, Izzy – Jane ecoou, um pouco incerta. – Não sei. Acho que já vou tarde demais, perdi minha chance.

Izzy riu na cara da amiga, colega de banda e companheira de apartamento, deixando-a um pouco espantada.

- Perdeu sua chance? Jane, se ele significou assim tanto para você, você facilmente significou o dobro para ele. Lembre-se que sou eu que normalmente lido com seus “casos”, quando você decide terminar com eles. Dentro de cinco minutos, você já arrumou um interesse romântico novo. Eles… Eles costumam ligar para o apartamento chorando, durante pelo menos mais uma semana.

- Sério? – Jane franzia a testa, tentando imaginar alguns dos garotos mais másculos com quem esteve chorando para um telefone. – De qualquer jeito, Izzy, foram sete anos e não uma semana. Ele pode estar praticamente casado agora.

A garota de cabelos coloridos encolheu os ombros, deixando o tom brincalhão definitivamente de lado e adquirindo uma expressão solene.

- Bem, isso você descobre quando chegar lá. Se assim for… Bem, você continua com a sua vida, como tem feito. Você tem tantas qualidades, Jane – ela encostou na mão no rosto da baterista, acarinhando-a. – Quem sabe, a pessoa certa para você está mais perto do que você imagina, e quando a descobrir, você pode parar de fugir dos compromissos. Hmm? Não seria bom poder confiar noutra pessoa uma vez na sua vida?

Jane riu com o tom brincalhão retornado ao discurso da amiga. Ela tinha razão, entretanto. Jane reconhecia seu medo de compromissos em geral, e sabia que era por não conseguir confiar desse jeito em quase ninguém. Mas estivera perto de o conseguir com Jeremy, e agora queria descobrir o que a tinha feito sentir assim – e sobretudo, como poderia reavê-lo, fosse com Jeremy, fosse com outra pessoa.

- Você tem razão, aliás, como tem sempre – Jane completou-se a si mesma em tom de brincadeira. – O que não diminui minha necessidade de escolher uma roupa decente! Agora, vamos, saia ou short?

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